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A restauração da igreja do Rosário em Mariana/MG
 
A RESTAURAÇÃO DA IGREJA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO
DOS PRETOS DA CIDADE DE MARIANA
                                                                                                   Adriano Reis Ramos (*)
 
 
INTRODUÇÃO

A restauração da decoração interna da igreja de Nossa Senhora do Rosário de Mariana
faz parte de um projeto maior que, além de trabalhos no edifício — a obra de arquitetura —
contempla também a instalação de um museu dedicado ao mestre entalhador e escultor
Francisco Vieira Servas, que foi o responsável, entre 1770 e 1775, pela feitura dos retábulos
que embelezam o interior do templo. O referido projeto propõe que o Museu Vieira Servas
seja implantado com a igreja em pleno funcionamento para as práticas litúrgicas. O nome é
uma homenagem a esse magnífico artista, radicado por mais de cinquenta anos em Minas
Gerais, nascido no ano de 1720 na Freguesia de Sam Paio de Eira Vedra, Concelho de Vieira,
Comarca de Guimarães, Arcebispado de Braga, Portugal, e falecido em São Domingos do
Prata, Minas Gerais, no dia 17 de julho de 1811, e que deixou um legado de importantíssimas
obras em várias igrejas mineiras dos séculos XVIII e XIX.
 
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Vista geral da igreja de Nossa Senhora do Rosário
 
 
O MONUMENTO

Iniciada no ano de 1752 e concluída em 1758, a construção da igreja de Nossa Senhora
do Rosário dos Pretos, de Mariana, teve como oficial responsável o mestre pedreiro José
Pereira dos Santos. Autor dos riscos e execuções de outros relevantes monumentos na cidade,
como a Casa de Câmara e Cadeia e as igrejas de São Pedro dos Clérigos e São Francisco de
Assis, entre outros, esse português, natural da freguesia de São Salvador do Grijó,
Arcebispado do Porto, é citado documentalmente pela primeira vez em solo brasileiro no ano
de 1737 quando, por questões referentes a dívidas com terceiros, vem a ser preso. A partir de
1752 e até 1762, ano do seu falecimento, José Pereira dos Santos participa ativamente da
construção de vários e significativos edifícios nas cidades de Mariana e Ouro Preto em um
período de grandes transformações no cenário arquitetônico e urbanístico dessas localidades.
Internamente, a decoração do Rosário conta com dois expoentes máximos da arte
exercida nas Alterosas no final do século XVIII e nas primeiras décadas do século XIX.
Apesar de não terem trabalhado no mesmo período — a talha foi executada entre 1770 e 1775
por Francisco Vieira Servas, enquanto a pintura e o douramento, sob o comando do mestre
Manoel da Costa Athayde, foram iniciados após o ano de 1823 —, esses oficiais das artes
foram responsáveis por diversos trabalhos que se inserem no mais alto patamar das obras
denominadas estilisticamente como "barroco mineiro", mas que, na verdade, já traduzem todo
o espírito rococó vigente a partir do terceiro quartel do século XVIII em Minas Gerais.
Juntamente com outros artistas do período, entre eles Aleijadinho, as obras produzidas por
Athayde e Servas nesse período fazem parte desse cenário das artes comentado pelo vereador
de Mariana, capitão Joaquim José da Silva, no Registro dos fatos notáveis da Capitania de
Minas Gerais, sobre as artes plásticas produzidas em Minas. Nesse precioso documento,
datado de 1790, o redator chama a atenção para os "novos templos", sugerindo um
acontecimento diferenciado no movimento artístico da Capitania e que, apesar da escassez do
metal aurífero antes mesmo de meados do século XVIII, proliferou com extrema vitalidade
nas hoje cidades de Ouro Preto, Sabará, Mariana, São João Del-Rei e na região do Vale do
Piranga.1
1 BRETAS, Rodrigo José Ferreira. Antônio Francisco Lisboa: o Aleijadinho. Belo Horizonte: Editora Itatiaia,
2002, p 101. (Introdução de Lúcio Costa).
 
 
 
 

vista geral antes     vista geral
 
FIGURA 1: Vista geral da decoração interna do monumento antes e após a restauração
FOTOS: acervo do autor (2017)
 
 
 
 
FRANCISCO VIERA SERVAS

Francisco Vieira Servas chegou ao Brasil, mais precisamente em Catas Altas do Mato
Dentro, por volta de 1753, como um oficial tipicamente barroco, preparado para a execução
de obras elaboradas ao estilo joanino. O ambiente artístico vivido na Capitania fez com que
ele assimilasse o gosto rococó e dele tirasse grande proveito, principalmente na construção de
seus retábulos, aqueles executados a partir do terceiro quartel daquela centúria. Já em 1790,
Servas se estabelece definitivamente em uma fazenda próxima a São Domingos do Prata,
onde, juntamente com outros oficiais e aprendizes, cria um ateliê que iria atender várias
cidades da região na decoração interna das igrejas ali erguidas e na confecção de imagens
sacras. Seus trabalhos têm forte personalidade autoral e trazem, em sua essência, um leque de
informações bastante peculiares. A postura mais clássica dos seus retábulos, sem muitos
entreveros figurativos e ornamentais, sempre foi pautada por uma disciplina estética em que
os cânones são fielmente respeitados. Os módulos são bem definidos e espaçados, com
destaque para as banquetas, onde se apoiam seus inconfundíveis sacrários que se apresentam
com um coração e suas três artérias superiores, estando a do centro sempre encimada por cruz
e lírio.
 
 
 
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FIGURA 2: Vista do retábulo-mor da Matriz de São José da Lagoa em Nova Era e detalhe do sacrário.
FOTOS: acervo do autor (2017)
 
 
 

Quando viável financeiramente para as irmandades, o retábulo contratado contava com
a presença de pares de querubins e figuras de anjos distribuídas simetricamente em pontos
estratégicos da composição. Também o mesmo ocorria com o coroamento resolvido em
presença de uma arbaleta, que acabou por se tornar a marca registrada de Servas. Nas palavras
da historiadora Myriam Ribeiro de Oliveira, em artigo publicado na Revista Barroco 2:
a mais significativa das suas características é a presença no coroamento de um
motivo de perfil sinuoso, em forma de arbaleta, completado por imponente sanefa, e
cujas volutas laterais parecem impulsionadas para a frente por flamejantes rocalhas.
O motivo descrito insere-se em uma arcada côncava em arco pleno, dividido em
secções correspondentes à estrutura do suporte. Esses são constituídos geralmente
por colunas retas estriadas na parte externa e quartelões na parte interna...
Servas também se utilizou exaustivamente de figuras de anjos para ocupar os espaços
superiores dos retábulos-mores e a área central dos arcos do cruzeiro. Em geral, esses anjos
ladeavam cartelas entalhadas ao mais puro gosto rococó.
2 OLIVEIRA, Myriam Ribeiro. Escultura colonial brasileira – um estudo preliminar. Revista Barroco, Belo
Horizonte n. 13, 1984/85. p.22

Suas imagens, em uma fase inicial, ainda se enquadram tipologicamente nos padrões
do período barroco, cuja composição se apresenta bojuda, com o panejamento em excessiva
movimentação. O eixo de prumo, ao dividir a imagem ao meio, no sentido vertical, passa pela
cabeça e por entre os pés que, aliás, se apresentam parcialmente cobertos pela vestimenta.
Entretanto, essas características básicas do barroco, com o passar dos anos, começam a
conviver com os aspectos morfológicos do rococó que podem ser observados em muitas das
suas obras, nas quais a composição, ainda volumosa, já assimila alguma leveza, e a
indumentária tende visivelmente à diagonalização. Ainda nos seus planejamentos, notam-se
significativos recortes triangulares ou mesmo retangulares nas extremidades dos mantos, que
se apresentam como dobras cuidadosamente elaboradas, enquanto o eixo de prumo desloca-se
para um dos pés posicionado ao centro da base, onde se apoia. As faces das imagens
esculpidas por Servas se caracterizam pela simetria, observando-se a igualdade entre as
larguras das narinas, olhos e boca, enquanto o cabelo, com topete fortemente ondulado,
termina em formato de vírgula sobre a testa.
 
 
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FIGURA 3: Par de anjos ladeando cartala pertencente à igreja do Santuário do Senhor Bom Jesus do Matoznhos em
Congonhas, Detalhe do rosto de anjo da igreja do Rosário de Mariana.
FOTOS: acervo do autor (2017)
 
 
MANOEL DA COSTA ATHAYDE

Manoel da Costa Athayde nasceu no dia 18 de outubro de 1762 na cidade de Mariana,
onde veio a falecer em 02 de fevereiro de 1830, após cumprir uma trajetória plena de sucesso
na arte da pintura religiosa, que o levou a ser conhecido, em terras mineiras, como "Mestre
Athayde". Seu método de composição para a pintura de forros em perspectiva nos tetos das
igrejas foi seguido por diversos outros artistas que o sucederam, e até hoje induz determinados
pesquisadores a sérios equívocos em relação à autoria de algumas obras, tendo em vista as
mesmas possuírem fortes semelhanças com as pinturas confeccionadas por Athayde. Segundo
alguns estudiosos da arte colonial mineira, o Mestre se utilizou, na retratação de anjos,
madonas e santos, de traços de figuras mulatas da sua convivência na colônia — sua
companheira, com quem teve quatro filhos, era mulata — e, em função dessa sua atitude, é
tido como um dos precursores de uma arte genuinamente brasileira. Outra das suas
características muito comentada nos estudos sobre a sua arte é a utilização de cores vivas em
inusitadas combinações e que, segundo alguns autores, podem ser associadas à exuberante
natureza do país.
 
 
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FIGURA 4: pinturas em perspectiva do mestre Athayde em Santa Bárbara, Ouro Preto e Itaverava
FOTOS: acervo do autor (2017.)
 
 
 
Na igreja do Rosário, em Mariana, a pintura do teto da capela-mor, retratando Nossa
Senhora da Assunção, foi a última obra em perspectiva executada por Athayde em sua
carreira e foi motivo de polêmicas e ações judiciais entre o artista e mesários da irmandade.
Segundo alguns estudiosos, ele criou uma moldura arquitetural perspectivada, mas a cena no
medalhão central foi apresentada plana como para ser vista de frente, sem se valer da força
ilusória da tridimensionalidade das figuras como ocorreu em outras das suas obras de mesma
natureza.
Os mesários também alegavam que Athayde, na época já enfermo, havia abandonado a
obra e lá deixado apenas alguns auxiliares para a executarem, sem muito se importar com a
qualidade da mesma.
No entanto, apesar da constatação de que a pintura do Rosário realmente não apresenta
as mesmas qualidades observadas em outros tetos em perspectiva comprovadamente da fatura
de Athayde, pode-se perceber claramente na igreja marianense a forte presença do seu
característico traço fisionômico, representado pelas faces quase que caricaturais das suas
figuras com corpos em acentuados formatos curvos e arredondados. Presença essa também
constatada no total controle da incidência da luz em pontos estratégicos do medalhão central,
mesclado à rica paleta de cores luminosas em ousadas e acertadas combinações cromáticas.
Sobre a abordagem caricatural das faces das suas figuras, não poderíamos deixar de lembrar o
historiador espanhol, Juan José Martin González, em sua publicação intitulada Las Claves de
la Escultura, no capítulo referente às expressões, no qual ensina que "realismo e abstração se
alternam constantemente na evolução artística" e que "o artista pode utilizar o corpo
humano só como referência sem importar-lhe a verossimilhança".3
3 GONZÁLEZ, Juan José Martin. Las Claves de la Escultura. Córsega: Editorial Planeta S.A.1990, p. 65.
Em seu artigo, intitulado Historiografia da arte e Manuel da Costa Ataíde5, Juam
Carlos Thimótheo conclui que Mestre Athayde
 
 
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FIGURA 5: Detalhes da pintura da igreja do Rosário de Mariana.
FOTOS: acervo do autor (2017)
 
 
 
Athayde, em sua diferenciação comparada a outros artistas do período, aproveitou-se
inteligentemente dos seus modelos vivos para exercer uma pintura livre e de grande força
expressionista. Foi um artista que vivenciou uma forte transição sociocultural. Sua biografia pode
ser lida como documento de uma crise e da formação de uma nova figura social de
artista, que ultrapassaria os limites daquele da Colônia, preocupada com as novas
demandas da sociedade. Por assim proferir, Athayde talvez não tenha sido um gênio
totalmente esquecido durante o século XX, contudo é inegável que ele ainda é muito
pouco estudado.
 
 
 
A OBRA DE RESTAURAÇÃO

Todos os trabalhos desenvolvidos no interior da igreja de Nossa Senhora do Rosário
foram financiados pelo Governo Federal, através do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) das Cidades Históricas, e tiveram como gestores a Prefeitura Municipal de Mariana, a
Arquidiocese de Mariana e o Instituto Cultural Flávio Gutierrez. O prazo de execução dos
serviços na ornamentação interna foi de 16 meses, com um custo total de R$ 1.630.518,88.
Foram contratadas pelo Instituto Cultural Flávio Gutierrez as empresas Grupo Oficina
de Restauro Ltda. e Pedra Menina Arte Cultura e Restauro Ltda., que têm vasta experiência
em trabalhos dessa natureza e, ao longo dos anos, vêm prestando relevantes serviços ao
referido Instituto.
Integrantes da comunidade do Rosário foram convidados a participar da equipe, além
dos jovens, oriundos do curso de restauração denominado Valor Social, contratados para a
empreitada. Esse programa, desenvolvido pelo Instituto Cultural Flávio Gutierrez em parceria
com o Grupo Oficina de Restauro, capacita jovens estudantes da rede pública, que vivem em
áreas de vulnerabilidade social, para atuarem como assistentes de restauração. O curso veio
preencher uma lacuna existente no quadro de profissionais da preservação de obras de arte ao
propiciar a formação de assistentes de conservação e restauração para o mercado de trabalho.
Enquanto o Centro de Conservação e Restauração da Universidade Federal de Minas Gerais
(CECOR/UFMG) forma conservadores/restauradores em seu curso de graduação, e a
Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP) promove a formação de técnicos especializados para
o setor, os auxiliares de restauração não tinham, até então, qualquer tipo de treinamento para o
exercício da profissão. Criado em 2008, o curso de qualificação de assistentes de restauração
é uma promissora iniciativa de inserção sociocultural e profissional desenvolvida em Minas
Gerais.

4 MATA, Sérgio Ricardo da; MOLLO, Helena Miranda; VARELLA, Flávia Florentino (Org.). A dinâmica do
historicismo: tradições historiográficas modernas. Caderno de resumos & Anais do 2º. Seminário Nacional de
História da Historiografia. Ouro Preto: EdUFOP, 2008, p. 10. (ISBN: 978-85-288-0057-9).
 
 
 
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FIGURA 6: Aspecto geral da pintura antes e após a intervenção
FOTOS: acervo do autor (2017)
 
Sob a orientação de um projeto de restauração de autoria da restauradora Bárbara
Mesquita, aprovado em 2016 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN), o trabalho desenvolvido basicamente se deteve na recuperação das estruturas e
suportes em madeira e também nas pinturas e douramentos que se encontravam com variados
danos que comprometiam a sua estabilidade físico-química. No caso do madeiramento, além
de problemas advindos da penetração das águas pluviais, foram ainda detectados estragos
causados pelo ataque dos insetos xilófagos (cupins), os quais carcomeram boa parte das
tábuas do forro e áreas esparsas dos retábulos. No que se refere às pinturas e douramentos, a
situação da pintura forro da capela-mor, de autoria de Manoel da Costa Athayde, datada de
1823, era preocupante em função do acelerado processo de descolamento, condição análoga
apresentada pelo folheado a ouro da parte superior do retábulo-mor. É importante afirmar que,
se não ocorressem os procedimentos de fixação da pintura e do douramento antes de qualquer
intervenção no telhado, certamente haveria perdas irreversíveis.
 
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FIGURA 7: Aspecto do douramento em deprendimento do retábulo-mor
FOTO: acervo do autor (2017)
 
 
 

Na maior parte das vezes, o material utilizado por Athayde em suas pinturas era quase
todo importado de Portugal e se compunha basicamente das seguintes cores: o branco de
chumbo, o vermelhão e pigmentos da terra, o amarelo ouro, o preto de carvão vegetal, o azul
da Prússia, o verde-gris, o resinato de cobre e as lacas vermelhas. A principal técnica
empregada era uma têmpera oleaginosa, muito provavelmente feita com ovo, aplicada em
fundo branco, sendo que no painel central foi detectada a presença de uma camada de verniz
oleoso, assemelhando-se a uma pintura à base de óleo, mais escura, portanto diferenciando-se
de forma bastante evidente dos tons claros das áreas laterais.
A transposição do desenho para o forro — que já se achava preparado com um fundo
branco feito com várias camadas de gesso, cola de coelho e devidamente lixado — era feita
por marcação, de acordo com a técnica denominada estresido, que consiste em fazer o
desenho a ser transportado em várias partes, utilizando-se de papel cartão, com os traços que o
formam picotados com uma agulha antes de ser preso à área pronta a recebê-lo. Sobre o
picotado, batia-se uma "boneca" de pano, impregnada de pó de carvão ou grafite, de modo
que, ao se retirar o molde, o desenho ficava delineado na superfície por um ponteado escuro.
Essas áreas marcadas com esse pontilhado recebiam a aplicação de um verniz antes da
pintura, com o propósito de se evitar borrões sobre o fundo branco.
Durante o desmonte das tábuas do forro para o tratamento do suporte em madeira
danificado, descobriu-se uma pintura de um antigo forro, datada de meados do século XVIII e
pertencente a uma antiga e já demolida igreja do Rosário, cujas tábuas foram aproveitadas
para a feitura do forro da nova igreja. As tábuas que necessitaram desmonte foram tratadas em
toda a sua estrutura, mantendo-se os desenhos mais significativos da antiga pintura (rostos e
corpos das figuras antropomorfas). Após o tratamento estrutural das tábuas do forro, incluída
a resolução das suas frestas, que apresentavam exageradas aberturas, toda a pintura foi
submetida a uma rigorosa limpeza para o início da aplicação de um fundo de preparação nas
lacunas de superfície, utilizando-se uma massa especialmente preparada para tal finalidade
com as propriedades físicas de flexibilidade, resistência e durabilidade.
 
 
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FIGURA 8: Detalhes da pintura em desprendimento e durante a intervenção.
FOTOS: acervo do autor (2017)
 
 
 
A reintegração das perdas dos estratos pictóricos ocorridas ao longo dos anos foi o
grande desafio da equipe de profissionais responsável pela restauração. Qualquer exagero
faria com que a obra do século XIX ficasse com um aspecto de pintura nova. No intuito de
manter a aparência mais original possível do conjunto pictórico, optou-se, primeiramente,
pelo tratamento em tracejados da pintura branca em torno do medalhão central, em vez da
aplicação de uma nova camada de tinta.
 
 
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FIGURA 9: Técnica do tracejado utilizada para a reintegração das cores.
FOTOS: acervo do autor (2017)
 
 
Procurando manter o conceito da mínima intervenção a favor da manutenção da
originalidade da obra, decidiu-se que os retoques nas áreas coloridas também seriam feitos na
técnica do "rigatino". Essa técnica consiste na aplicação de sucessivas listras para ocupar os
espaços perdidos de uma pintura, de forma que se perceba, uma vez observada atentamente, a
diferença entre o retoque e a pintura original, e, ao mesmo tempo, fazendo com que a sua
unidade volumétrica e estilística seja mantida.
 
 
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FIGURA 10: Recomposição de área com perdas utilizando-se da técnica do "rigatino".
FOTOS: acervo do autor (2017)
 
 
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FIGURA 11: Recomposição do douramento utilizando-se de folhas de ouro.
FOTOS: acervo do autor (2017) 
 
A DESCOBERTA

Geralmente, em obras de restauração, ocorrem imprevistos, e na igreja do Rosário não
poderia ser diferente. No entanto, não se imaginava a dimensão dessa surpresa, quando,
durante as prospecções, deparou-se com uma pintura artística sob o branco que cobria as áreas
sem douramento dos retábulos do arco do cruzeiro. Na parte frontal dos retábulos, foram
encontrados, sob a camada branca de repintura, tons azuis e vermelhos do mais fino
marmorizado, enquanto nas tábuas de fundo dos camarins, também repintadas de branco,
surgiram elementos florais de rara elegância, com par de anjos segurando uma guirlanda de
flores. Presume-se que a aplicação da tinta branca ocorreu por volta de 1930, pois foram
encontrados jornais nas frestas das tábuas datados de 1925. Supõe-se que as pinturas
encontradas tenham sido executadas na primeira metade do século XIX pela equipe de
Manoel da Costa Athayde, tendo à frente o seu filho, Francisco de Assis Pacífico da
Conceição, até então pouco conhecido pelos estudiosos no universo das artes plásticas do
período colonial.
 
 
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FIGURA 12: Sob a camada de repintura branca surge anjo segurando guirlanda de flores
FOTO: acervo do autor (2017)
 
 
 
CONCLUSÃO

A igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos está inserida em um significativo conjunto
de construções religiosas erigidas na cidade de Mariana, a partir da segunda metade do século
XVIII e início do século XIX. Sua localização, porém, um pouco afastada do centro urbano,
aliada ao fato de comportar uma ladeira um tanto íngreme que lhe dá acesso, faz com que ela
seja pouco conhecida do grande público. No entanto, a riqueza da sua decoração interna, com
obras do entalhador e escultor Francisco Vieira Servas e do pintor Manoel da Costa Athayde,
dois importantíssimos artistas do período, tem sido objeto de relevantes estudos
desenvolvidos por especialistas do tema, com grande contribuição para a historiografia da arte
colonial mineira. A recente restauração desse conjunto artístico e a eminente implantação de
um museu em seu interior, dedicado a Vieira Servas, não só farão com que esse expressivo
monumento entre de vez no circuito turístico da cidade, mas também, e principalmente, que o
templo seja devolvido em condições aceitáveis a essa maravilhosa comunidade do Rosário
que, ao longo dos anos, tanto se empenhou na sua preservação. As técnicas e materiais
empregados nas intervenções a que foram submetidos os retábulos e a pintura do forro da
capela-mor são internacionalmente reconhecidas e, juntamente com os critérios adotados,
fundamentadas na mínima intervenção e no máximo respeito à originalidade da obra,
permitindo que o trabalho alcançasse resultados amplamente satisfatórios.
A restauração de obras de arte hoje no Brasil é exercida em total acordo com os
padrões de excelência utilizados em países europeus, cujas tradições no exercício desse ofício
remontam ao século XIX. Ao longo dos anos, os procedimentos adotados nas mais variadas
intervenções foram aperfeiçoados em sintonia com os avanços tecnológicos das últimas
décadas e transformaram as técnicas empregadas pelos profissionais de forma bastante
positiva e com resultados altamente satisfatórios. Por outro lado, o surgimento de escolas
profissionalizantes no país, a participação em cursos de especialização no exterior, a constante
troca de informações entre os mais variados profissionais da área, além dos congressos e
seminários dos diversos segmentos que envolvem essa profissão multidisciplinar têm
contribuído para o seu aperfeiçoamento. As decisões sobre o tratamento estético a ser seguido
diante das intervenções que se apresentam como a de Mariana, por exemplo, têm tido a
participação não só de restauradores, mas também de historiadores, arquitetos, químicos e
estudiosos da arte em geral que, conjuntamente, decidem sobre o melhor conceito e a técnica
mais apropriada a serem adotados para aquela situação, de forma a ser preservada, ao
máximo, a originalidade da obra em tratamento e garantida a sua qualidade físico-química,
como de fato veio a ocorrer na igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, de Mariana.
 
 
Equipe Grupo Oficina de Restauro:
. Maria Regina Reis Ramos e Rosangel Reis Costa
. Anderson Sérgio Ferreira
. Caroline Gonzaga dos Santos
. Lúcia Fazzanaro Passarini
. Mayco Ferreira Gomes
. Pollyanna Karine Siqueira
. Robson Augusto Silva Moura
. Gabriel Gama Ramos
. Bruna dos Reis Souza
. Thais Assis Vieira
 
Equipe Pedra Menina Arte Cultura e Restauro:
. Flávia Andréa Siqueira Dias
. Geisiele Moreira.
. Waldemar de Jesus Malta
. Paulo Roberto Agra e Silva (Baiano)
 
 
Instituto Cultural Flavio Gutierrez:
. Angela Gutierrez
. Ana Beatris Batista
. Fernando Pereira de Freitas
. Lidiamara Rafaela Cândido
. Jonnhy Max da Silva
. José Ferreira Filho
 
 
Prefeitura Municipal de Mariana:
Anna de Grammont
 
IPHAN:
Flora Del Rey Lopes Passos
Felipe C. V.Pires
 
ESTAGIÁRIA:
Liana Maria Santos Almeida
 
 
 
(*) Adriano Ramos é conservador-restaurador do Grupo Oficina de Restauro e pesquisador de obras de arte, autor do livro Francisco Vieira Servas e o Ofício da Escultura na Capitania das Minas do Ouro.
 

mail@grupooficinaderestauro.com.br Grupo Oficina de Restauro
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